Eles decidiram assim. Seriam dois náufragos, em duas ilhas opostas e, entre eles, só sinais de fumaça desenhando seus humores no ar. Sentiam o amor de um pelo outro apenas pelo fumo que pairava no éter, pelas emoções elas mesmas vaporosas, notícias que seus corações aguardavam aos pulos e que a distância, às vezes, distorcia (e este era o único e doloroso senão). Por enquanto, não mergulhariam nas mesmas águas em que os tubarões famintos por suas carnes de menino e menina assustados ainda nadam freneticamente.
Entretanto, quando chove, e a madeira fica molhada, ou o vento arrasta os sentimentos que a fumaça entretém em seu vôo, a saudade fica maior que o oceano. E o oceano fica um imenso vazio.
Ainda hoje estão lá. À noite, acendem a fogueira e esperam um pelo outro, a fim de comentarem as peripécias do dia. À beira cada um de sua praia particular, vêem apenas o bruxulear das chamas e a sombra do amado que jaz na outra margem. Às vezes, o fogo os queima. Às vezes, a fumaça irrita seus olhos e a menina e o menino, confusos, agridem-se, de longe, e se põem a chorar. De tanto chorar, dormem e, ao dormirem, suas almas se elevam a uma mesma ilha, de paisagem calma, em que caminham descalços e de mãos dadas numa praia que nem o Paraíso conseguiu copiar.
Ao amanhecer, voltam, com alguns poucos vestígios do que houve, anotados no diário da memória. E isso os faz voltar à praia toda noite e ascenderem, de novo, aos céus, os seus sinais de fumaça, que faz pulsarem, alegres e inquietos, seus corações de criança, que, juntas, empreendem uma viagem no escuro.
Disseram-me que o Senhor da Vida os viu e comoveu-se. E nomeou um capitão valente para buscar os pequenos. Ordenou que lhes preparasse uma bela ceia e ornasse o salão de festas do navio, porque é lá, ao som da orquestra mais bonita, que eles, enfim, dançarão, olho no olho, face a face. E dirão um para o outro as coisas mais bonitas que seus gestos puderam ensaiar até hoje. Vai ser assim, olho no olho.
Sem fumaça, sem oceano, sem saudade.