segunda-feira, junho 23, 2008

Ouro de Tolo

“Ah, mas que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado, macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco!”
(Raul Seixas)

Ando sem paciência para um monte de coisas. Um tanto irritadiço em relação a trivialidades. Um tanto competitivo. Indisfarçavelmente mal-humorado, em alguns momentos. Andava com um amortecimento da vontade bastante antigo e resolvi me tratar. Precisava recuperar a vontade de conquistar coisas, de estabelecer metas factíveis, de me aprimorar por intermédio do trabalho entendido como "toda atividade útil”. O resultado da terapia é que, junto com o élan vital, vieram muitos impulsos desagradáveis, amortecidos há tempos, à arena de minha consciência. No entanto, dedico-me tão-somente a observar esses impulsos, sem satisfazê-los, enquanto ajo. Uno, para tanto, saber teorético e saber prático, buscando a compreensão de tudo isso.
Há um Observador criterioso dentro de mim, cumprindo diligentemente seu papel. Na administração desses ímpetos, procuro minha linha de equilíbrio. Nada de atitudes desrespeitosas, de modo a agradar o id freudiano. Contudo, também, nada de ações causadoras de comportamento neurótico. Nada de atitudes imoderadas. Investigar-me (agindo) é a palavra de ordem.
Há muita coisa recalcada, que necessitava de tratamento. Embora eu tenha avançado bastante no quesito auto-conhecimento, desenvolvendo um bom nível de inteligência intrapessoal, alguns desses entes, com os quais tenho que lidar no presente momento, estavam em estratos psíquicos muito profundos, escamoteados entre os monturos que trago no cerne de minha inconsciência. A visão é notadamente desagradável. A pessoa que vejo não me agrada; não cultivo os mesmos valores que ela, mas aprendi a não julgá-la. Houvera compreendido, antes deste período de auto-análise, que o amor, a paciência, a compassividade, o respeito para com outrem são virtudes que só se conquista caminhando pelo próprio labirinto íntimo, averiguando cada detalhe, sem medo do Minotauro que iremos encontrar a qualquer momento da jornada. Então, julgo-me com maturidade suficiente para poder, pelas lentes do Observador, ver, sentir, perceber todos esses detritos que ora emergem alagando a via de acesso à Paz que tenciono obter. E a Paz não se conquista pela deposição das armas morais.
No Mahaabharata, o único texto do mundo em que a auto-iluminação de um sujeito se dá num campo de batalha, é esse o dilema de Arjuna diante do exército kaurava, composto por valorosos guerreiros e parentes seus. Ele titubeia, inquirindo sobre como poderá ser feliz matando pessoas de seu próprio sangue, numa metáfora belíssima sobre nossos conflitos íntimos em busca da Paz. Krishna insta-o à luta, argumentando ser indigno de “uma pessoa de mente nobre e de ação” ser assaltada por aquelas impressões numa conjuntura tão inapropriada. A luta de Arjuna, que o texto simboliza, é contra os seus demônios íntimos. Tudo bem escondido em ícones e signos, que só uma boa dose de Semiótica é capaz de descortinar. O dilema de Arjuna é o meu dilema. Mas não quero vacilar mais.
Mesmo tendo que encarar minhas sombras, minhas mazelas pessoais, pintadas nas paredes emboloradas da memória mais recôndita, transcendental, quero achar graça nas coisas pelo que elas são, e não pelo que aparentam ser. Farei isso, nem que tenha que matar a mítica criatura que jaz em mim.

Morrer é transformar-se!