segunda-feira, março 27, 2006

Meus Colegas de Classe

Pessoas entram e saem de nossa vida, o tempo todo. Tudo no seu tempo devido, apesar de nem sempre termos consciência deste fenômeno. Algumas deixam marcas dolorosas, feridas que custam a cicatrizar. Outras nos elevam, auxiliam, fornecem-nos diretrizes importantes para nos conduzirmos. Alguns desses seus atos são voluntários, outros, direcionados pelo processo evolutivo que nos amalgama a todos numa mesma massa crítica, que se aprimora cada vez mais, enquanto se sucedem, nessa imensa sala de aula, as matérias, os mestres, as turmas.
Cada um que chega, entretanto, é compatível com nossas necessidades atuais, com o que precisamos aprender no momento e com a pedagogia melhor ajustada ao nosso caráter de aprendiz mais ou menos receptivo. Assim, afinizamo-nos ou desafinizamo-nos, conforme o processo provoca em nós transformações intelectuais e morais. Uns permanecem, outros vão embora, mas o curso prossegue e as turmas são compostas por alunos cada vez mais comprometidos com objetivos afins.
Têm-me chegado à classe, neste momento, colegas muito interessantes. Com variações peculiares a cada um, são críticos, inteligentes, divertidos, mas, sem exceção, sujeitos que buscam o auto-conhecimento com uma tenacidade espantosa. Querem ser plenos e felizes, ao custo de muito esforço de auto-aperfeiçoamento. Mas esse esforço é exercido com alegria, não me parecendo pesar-lhes, fundamentalmente, nem um pouco. Aproveitando o pensamento de Walter Franco, compositor da época dos festivais, posso dizer que a analogia que melhor lhes cabe é a de instrumentos que se afinam "de dentro pra fora" e "de fora pra dentro". E isso atiça minha curiosidade. Como estou nessa sala de aulas? O que lhes tenho retribuído?
Destes amigos tenho recebido lições diárias importantíssimas. Cada olhar, palavra, aceno, piada ou reflexão, revelam-me dimensões de mim mesmo que antes não percebia. O que lhes ofereço? Não sei. Sei que deles recebo amizade, respeito, carinho, afeto, compassividade e até amor. Porém, isso não faz de mim alguém, por mérito, especial. Faz de mim um felizardo. Um aluno relapso com vários colegas de primeira linha, dignos dos maiores elogios.
Eu estou melhorando, graças à presença deles em minha vida. Vou me esforçar sempre e mais, para merecê-los. Espero mesmo merecê-los. Espero não ficar para trás. Quero-os comigo, o mais que puder.
A todos esses meus colegas de classe, um grande beijo e meu coração eternamente grato.

quarta-feira, março 15, 2006

O Labor Dos Meus Joelhos

Acabei de bater os joelhos no chão, de novo. Dói muito. E ainda vai doer por mais um tempo. Agora, sentado no solo que furiosamente os beijou, vejo as inúmeras cicatrizes que trago em meus joelhos feridos. Muitas histórias, muito sangue derramado.
Quando dizem que as crianças têm cara de joelho, acho injusto. Elas não podem ter cara de joelho, nem de páginas amarelecidas, nem de relógio de bolso, ou qualquer outra coisa que remeta à passagem inexorável do tempo. Não, as crianças não têm cara de joelho, definitivamente.
Eu não sou mais criança. E não sou mais criança porque tenho este livro que são os meus joelhos para ler e me lembrar de todas as vezes que me genufleti, diante de homens e mulheres de grande estatura moral, e de quantas vezes a isso fui forçado pela tirania dos prepotentes. Mesmo assim, leio-os e testifico, com as palavras de um amigo de infância, que hoje volta ao meu convívio: "Tudo é para melhor".
Por isso, erguerei minha fronte aos céus e agradecerei ao Criador da gravidade, que sempre me puxa para baixo toda vez que ameaço tornar-me irremediavelmente arrogante. Ao fazê-lo, sei que Ele me estenderá a mão, far-me-á sentar, tranqüilo, e com um ungüento, que só Ele possui, aplacará as minhas dores.
Depois, ficarei de pé, e continuarei a caminhada.

domingo, março 05, 2006

A Caverna

Eu me habituei a uma caverna escura e vazia.
Passei muito tempo lá, abandonado e só.
Abafaram meus soluços, meus gritos, meu querer,
com uma pedra maldita à porta da caverna. E eu
não podia (ou queria) sair. Habituei-me, então.
Enrijeceram-me os membros, secou-me a boca,
edureceram-me os cabelos e meu hábito era grotesco e sombrio.
Nenhuma mão tocou as minhas mãos. Nenhum beijo afagou a minha face.
Nenhum socorro me chegou de longe ou perto,
e eu pensei mesmo que tudo deveria ser assim.
De repente, a pedra ruiu, e a luz entrou.
Invadiu-me com tanta força, inundou-me os olhos e as entranhas
com tamanho brilho,
que me fez sentir bonito e relevante, como o último pôr-do-sol
e a última florada dos campos. Saí, pois.
Mãos gentis acariciaram-me, muitos lábios me beijaram,
olhos imensos sorriram para mim. Porém,
saíra rápido demais e enlouquecera ao contato exterior.
Meus membros ainda sem tato, minha boca ainda em sequidão
formaram o prenúncio de uma ingratidão estranha que ainda trago no peito cansado.
E percebo
que nenhum perfume ou luz exalou de mim
que iluminasse essas mãos, lábios e existências,
deixando-lhes gostosa saudade.
Às vezes, olho para trás e, ironia das ironias,
chego a sentir vontade de voltar à minha antiga solidão.