terça-feira, março 20, 2007

Algumas Divagações[1]

Seguindo a premissa de divulgarmos aos quatro cantos a nossa felicidade, o que nos orgulha, mostrando-nos triunfadores, é natural escondermos o que nos é motivo de vergonha. Estabelecemos uma espécie de ommertá com uma máfia íntima, composta pelos nossos recalques, nossos medos, nossos vexames, nossa debilidade moral, que escondemos da sociedade, cujo código de ética nos massacra, porque o consideramos válido. Estimamos seus signos, seus ícones, seus valores, seu status quo, enfim, nada obstante o nosso discurso rume numa pretensa direção oposta. Porém, ele, o discurso, nada mais é que uma barata justificação, muitas vezes. Nada mais.
Quero me ater, entretanto, à sensação estranha de descobrir-se como a vergonha de alguém. Perceber-se como uma evidência de crime que deve ser ocultada a todo custo. Um erro vergonhoso cometido às escondidas e que precisa ser posto embaixo do colchão, juntamente com as revistas eróticas, as carantonhas repetidas ao espelho, as mutilações masoquistas, o sestro de comer cabelos.
Muitas pessoas dizem a outras: “Eu te amo”, afirmam um sentimento de proporções universais – só possível numa concepção platônica e pasteurizada da existência -, mas não têm coragem de sustentar publicamente suas afirmativas, pela simples razão de não suportarem as pressões do seu estrato social, que exige que o objeto do seu amor seja sempre alguém que caiba na fôrma de príncipe, ou princesa, encantados, construída com valores muitas vezes eivados de pragmatismo, tão-somente. E não têm essa audácia pela simples submissão à vergonha ou ao sofrimento de ter que se enquadrar para ser amado pelo grupo. Pelo seu acentuado misoneísmo, que não lhe permite romper barreiras conceptuais inibidoras da criatividade, expressão sublime do amor. São pessoas emocionalmente e sentimentalmente acanhadas.
Aquele que escamoteia seu parceiro dos olhares alheios, vê-se perdido na guerra entre seus afetos e/ou pulsões e o seu superego, representado por esse moralismo colossal e hipócrita, e desenvolve os mais fantásticos mecanismos de racionalização que possam caber na sua cabeça e na dos de quem precise de auxílio para construir o seu álibi, no intuito de justificar o ocultamento. Enquanto isso, as prostitutas, as “amantes”, os que esperam inutilmente pela dissolução de uma casamento infeliz, mas conveniente, os que são meros calços para as horas difíceis, são entretidos pelas declarações pseudo-amorosas de seus cortejadores, porque vão ao encontro de suas necessidades afetivas ilusórias, alicerçadas no orgulho, na vaidade, na auto-estima prejudicada, no desamor, na sexualidade reprimida, na insegurança.
Essas tessituras psicológicas frágeis, de ambas as partes, cada uma com seu colorido respectivo, necessitam de fortalecimento pelo auto-amor, pela busca incessante de uma plenitude que ultrapassa a mediocrização imposta por uma sociedade cada vez mais utilitarista.

Amor requer arrojo.

[1] Enquanto medito sobre uma reportagem da Revista “Viver Mente & Cérebro”, de outubro de 2004, a respeito da teoria dos “Arquétipos do Amor”, de John Alan Lee, surpreendo-me com essas constatações que me atingiram como a percepção de quem não acha o degrau imprescindível da escada, a cerca de 20 metros do chão, e despenca.