terça-feira, fevereiro 12, 2008

Etiqueta de Preço

"A sociedade tolera muito menos um buraco na roupa de um homem do que um rombo no seu caráter." (Provérbio inglês)






Não me atrevo a julgar as pessoas, porque sou um saco de lixo repleto de defeitos escabrosos que nem exigem do Diabo qualquer esforço mais oneroso para me condenar no Tribunal da Consciência Divina. Mas não me pejo em analisar posturas gerais que observo por aí. Não coro nem por um segundo ao sentir o impulso de pousar meu olhar ladino sobre as feridas humanas, examinando-as. Só não publico os portadores delas porque, afinal, não quero os meus defeitos expostos junto com uma etiqueta de identificação do proprietário. Então, reconheço o mesmo direito aos outros. Todos nós somos dignos de comiseração.
Tem merecido muito pouco apreço o fato de sermos humanos, de ser o auto-descobrimento o contributo de esforço para o alcance de nossa própria - e plena - felicidade. Quanto vale a dignidade de uma pessoa? Quanto vale um caráter? Qual o preço da auto-estima? Qual a remuneração da carência? Na sociedade do espetáculo, da imagem, da aparência, depende do astro, famoso ou anônimo (sim, os há!). Vamos dos milhões de dólares às quinquilharias e roupas com as quais se adula a vaidade humana, tão robusta em aparência e tão carente de conteúdo.
Vejo muitos triunfadores sociais exibirem, numa alegria que beira à insanidade, posto que ilustrada em sorrisos dissimulados e nervosos, os atributos por intermédio dos quais desejam atrair a atenção, e o poder aquisitivo, dos consumidores. Expressam, nos olhares, embalagens e nos gestos, a funcionalidade do produto, as vantagens estéticas e as compensações em caso de dano ocasionado na origem. Tudo muito aparente, com manuais de instrução e tudo. Mas há mais, muito mais, em oculto.
A etiqueta de preço real, semelhantemente àquelas microscópicas letras que ornam os contratos comerciais, nunca ficam à vista. Não se pode ver em meio aos atrativos do exemplar, quanto suor e quantas lágrimas dos operários da vontade são derramados, enquanto se dedicam a lutar contra o exorcismo, forçado pela consciência em desalinho, dos valores exigidos pelo Código de Ética da própria fábrica que engendra o produto, mas que pesam desfavoravelmente em sua competitividade. Há na base de sua confecção, portanto, um declarado, mas surdino, conflito entre o departamento de marketing e o de qualidade. E o produto sai da linha de produção com sérios e invisíveis defeitos em sua tessitura, que podem causar a sua devolução, ou mesmo a inutilização, em definitivo.
Mas reconheço o impositivo mercadológico impeditivo de uma cobrança mais justa pelo produto final, caso alguns de seus caracteres amortecidos pelo verniz social fossem elencados em seu portfólio. Dignidade, caráter, auto-estima, para quem os têm e preserva, realmente, não tem preço.

Para todas as outras coisas existe Mastercard.

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