segunda-feira, março 17, 2008

Olhos Azuis

"Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia." (William Shakespeare)


Foi incrível, pensou o menino. Ele caminhava trôpego pela rua, arrastando o cansaço no corpo e na alma como se todas as obrigações graves da face da Terra estivessem sob sua responsabilidade. O suor ardente a escorrer pela testa e a entranhar-se nos olhos avermelhados compunha, com o cenho carregado, uma imagem sofrida. De repente, o milagre. Viu-se, em plena luz do dia, sob um halo azul descido dos céus. Um dente-de-leão, soprado por algum menino-anjo, puro como ele nunca fora, deixou pender da abóbada celeste uma pétala branca luminescente que, len-ta-men-te, flutuou, frente a ele, em arabesque. Ele ficou ali, pela eternidade de alguns segundos infindáveis, olhando para ela, namorando-a. Até entender que aquilo era um recado de Deus. Desses que apenas ressonam na alma do destinário, e em nenhuma mais. Então, ergueu os olhos e viu-a, à meia distância, mas se aproximando. Os olhos dela num alinhamento perfeito com a pétala. Os dois azuis num conjunto harmonioso e perfeito. Ele abismou-se. Perdeu a voz. Ela percebeu.
Em seguida, ela se virou e foi saindo. Estacou antes de completar o segundo passo, porém. Voltou-se para ele, de soslaio, e sorriu-lhe um sorriso charmoso. O menino também sorriu. Ambos ergueram as sobrancelhas, ao mesmo tempo. E ele pensou, finalmente: "Só pode ser ela!". Misteriosamente, notou que ela se fez a mesma pergunta, despertada pelo ato instintivo que julgavam tão particular, mas que era comum aos dois. Descontraíram-se, depois. Ela lhe disse, com uma expressão entre misteriosa e sedutora: "Tudo bem?". "Tudo", foi a resposta, tímida. Ela saiu, então.
Todavia, estacou e voltou-se, do mesmo jeito anterior: "Acho lindo timidez, é charmoso. Tchau." Ele sorriu, cabisbaixo e ainda mais tímido. Mas reagiu, ergueu a cabeça e olhou-a nos olhos, confiante como sempre, apesar dessa terrível marca de nascença: "Acho lindo olhos azuis. Tchau."

Cada qual rumou para o seu canto, imediamente nostálgicos, certos de não ser aquela a primeira vez. Nem a última.




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