sexta-feira, julho 07, 2006

Ilhas

Eles decidiram assim. Seriam dois náufragos, em duas ilhas opostas e, entre eles, só sinais de fumaça desenhando seus humores no ar. Sentiam o amor de um pelo outro apenas pelo fumo que pairava no éter, pelas emoções elas mesmas vaporosas, notícias que seus corações aguardavam aos pulos e que a distância, às vezes, distorcia (e este era o único e doloroso senão). Por enquanto, não mergulhariam nas mesmas águas em que os tubarões famintos por suas carnes de menino e menina assustados ainda nadam freneticamente.
Entretanto, quando chove, e a madeira fica molhada, ou o vento arrasta os sentimentos que a fumaça entretém em seu vôo, a saudade fica maior que o oceano. E o oceano fica um imenso vazio.
Ainda hoje estão lá. À noite, acendem a fogueira e esperam um pelo outro, a fim de comentarem as peripécias do dia. À beira cada um de sua praia particular, vêem apenas o bruxulear das chamas e a sombra do amado que jaz na outra margem. Às vezes, o fogo os queima. Às vezes, a fumaça irrita seus olhos e a menina e o menino, confusos, agridem-se, de longe, e se põem a chorar. De tanto chorar, dormem e, ao dormirem, suas almas se elevam a uma mesma ilha, de paisagem calma, em que caminham descalços e de mãos dadas numa praia que nem o Paraíso conseguiu copiar.
Ao amanhecer, voltam, com alguns poucos vestígios do que houve, anotados no diário da memória. E isso os faz voltar à praia toda noite e ascenderem, de novo, aos céus, os seus sinais de fumaça, que faz pulsarem, alegres e inquietos, seus corações de criança, que, juntas, empreendem uma viagem no escuro.
Disseram-me que o Senhor da Vida os viu e comoveu-se. E nomeou um capitão valente para buscar os pequenos. Ordenou que lhes preparasse uma bela ceia e ornasse o salão de festas do navio, porque é lá, ao som da orquestra mais bonita, que eles, enfim, dançarão, olho no olho, face a face. E dirão um para o outro as coisas mais bonitas que seus gestos puderam ensaiar até hoje. Vai ser assim, olho no olho.
Sem fumaça, sem oceano, sem saudade.

11 comentários:

Anônimo disse...

A vida é simplesmente assim...

Anônimo disse...

Não conhecia o blog, mas me supreendo à cada texto. Muito legal seu trabalho Sr Ricardo - rs
Considere-me leitora assídua!

Anônimo disse...

Oi Ricardo hoje resolvir comentar. Deu pra notar né, eu morro de vontade de ler todas as Teorias úmbilicais, mas são tão longas... mesmo assim eu acado lendo algumas, não todas, são muito boas!!!

Anônimo disse...

Quem derá se esse sonho fosse verdade em cada coração que sinta saudade!
Quem derá nem fosse preciso sonhar para se querer acreditar que a vida é também amor...
Quem derá esse paraiso já imperasse ,ao vivo e a cores,nas fumaças das nossas criações humanas...
Para jamais nublar a praia onde olhos podem divisar um porto a ancorar, seguros e salvos do afogamento de seus próprios humores!

Rafael Melo disse...

A gênese do namoro virtual.

Brincadeiras à parte, texto lindo esse. Muito lindo mesmo!

Rapaz, você está se saindo um ESCRITOR de primeira grandeza. É hora de pensar pra frente e tentar publicar.

Parabéns, Rica.

PopZen disse...

Adoro fazer leitura dramática dos seus textos, amigo-irmão.
Sem platéia mesmo... Apenas de mim para mim. Me emociona!
Esse é um dos melhores. Vai pro livro!

Anônimo disse...

São palavras banhadas em choro contido e em inquieta compreensão.
As ilhas nos sugam inopinadamente, surpreendem a toda gente, e por mais que delas tentemos escapar, elas nos tolhem, porque sabemos que em ilhas vizinhas estão os meninos e meninas a quem amamos. Cruel e egoísta deixá-los lá, sozinhos, a buscarem no céu os nossos sinais de fumaça.

Beijos, senhor escritor.

Finder disse...

Brilhante, meu caro. Parabéns!
Tem post novo no Porra Bicho!, também.
Abraço efusivo!

Jacqueline Jack disse...

Não, fala sério: de onde vc desenterrou aquela do Teixeirinha? Eu chorava loucamente quando escutava aquela musica imaginando como o mocreio do rapaz foi capaz de arrancar o coração da mãe pra dar pra uma &84#@! qualquer?!hahahaha, adorei o flashback.
Beijo

Anônimo disse...

Olá Ricardo!!
Mais uma vez estou aqui no seu blog e mais uma vez te parabenizo pela bela história!!!
Lembrei-me de qdo eu era mais jovem, que eu trocava olhares com uma menina que estudava comigo, na mesma classe...só que infelizmente não veio ninguém nos buscar para podermos trocar intimidades...ficamos só nos sinais de fumaça...mas, felizmente já sai daquela ilha há um bom tempo!!
Grande abraço!!

Anônimo disse...

Olha, não deu pra passar desapercebida aquela vírgula q faltou no primeiro parágrafo...Numa explicativa...
Bom, olho clínico à parte, vc é muito talentoso!! Sem pestanejar, posso dizer aqui q esse seu texto foi o melhor até agora, em minha opinião. Você conseguiu proporcionar a mim, leitora, e imagino q aos demais, uma desflogistização de minha fruição (como diria Novalis a Schlegel, numa de suas cartas). rsrsrsrsrs
Q prazer te ler, Rica.