quinta-feira, setembro 28, 2006

Misoneísmo

Tudo morre.

Estou morrendo. Aos poucos, a persona se desprende de meu rosto, agora seminu. Tentei repô-la, mas ela não quer ficar mais. Abandona-me, lenta e dignamente. O que parecia ser verdade absoluta escorre entre meus dedos surpresos, diante do inexorável fato dessa morte anunciada. Não percebera antes. Estava cego e fatigado. Acostumado ao clima de meus ácidos humores. Aos meus gestos muitas vezes bruscos. Às chispas de fogo em meus olhos rubros.
Aos poucos, o palco vai ficando vazio, deixando na platéia impressão nenhuma. Ninguém tem visto o caminhar silencioso da persona em direção aos bastidores. Ninguém a viu em visitação mais constante aos camarins ou percebeu a não-freqüência de suas cenas. Nenhum ouvido registrou o seu silenciar ininterrupto, o interromper incessante de sua voz. O misoneísmo do público só vê e ouve o que quer. Porém, tudo morre. E toda morte começa na intenção.
Em algum dia, decidi morrer, só não sei quando. Em algum dia, arbitrei não ser misoneísta e decretei minha fatal sentença. Fui assimilando idéias novas, aspirando ares leves, avançando para além do abismo e, em contínuo movimento autopoiético, engendrei este ser aqui dentro em gestação. E ele, tal qual a máscara que se evade, discreta, irrompe, com silenciosa eloqüência, rasgando o meu silêncio ao mais nobre sentimento: o AMOR.
Ainda cauteloso, começo a amar e amar muito, cada ente, inteligente e nem tanto. Cada coisa que olho, reverente. Cada partícula que invade o meu sensório. Cada nota que tange a minha alma. Cada sussurro da Natureza em minha pele. Cada palavra, cada gesto, cada dor.
Agora entendo: o misoneísmo é uma porta, o Amor, sua chave. Do outro lado e aqui, Deus...

...Na intimidade de todas as coisas.

Tudo vive.

sábado, setembro 09, 2006

Liberdade de Expressão

"O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter." (Cláudio Abramo, 1923-1987)

A mordaça imposta pelo Senador José Sarney à jornalista Alcinéa Cavalcante, retirando seu blog do ar, via TSE, a quem suplicou e teve acesso imediato, como todo humilde componente deste imparcialíssimo País, é muito justa e oportuna. Afinal de contas, como poderia brigar com uma poderosa magnata das comunicações, sendo ele um simples cidadão compromissado com as necessidades do seu povo, a ponto de adotar a vida nômade, mudando seu domicílio político do Maranhão para o Amapá, apenas para beneficiar a população local? Será que essa senhora é destituída de juízo? Ou seu coração está referto de ódio gratuito? Tal afronta imposta a um dos mais célebres dignitários da nação, e a quem esta deve muito, é simplesmente aviltante! Como disse o Senador, os blogueiros são uma raça de marginais que formam uma rede difamatória na Internet e, presumo eu em seu lugar, com isso, só prejudicam o desenvolvimento da democracia. Concordo plenamente com o Senador. Os blogueiros escondem-se atrás de seus PC's de última geração, sentados em suas luxuosas poltronas, arquitetando ofensivas infundadas aos lídimos políticos brasileiros, dignos da mais supina gratidão nacional. Escondidos atrás de suas penas, quer dizer, seus teclados, mobilizam um sem-número de asseclas de colarinho-branco, silenciosos e virtuais, que lançam uma tempestade de bits nos olhos dos incautos (e)leitores que, ingênuos, apesar de muito cultos (de acordo com os nossos belos índices educacionais), se deixam ludibriar por suas mentiras e se esquecem de todos os grandes benefícios da véspera, lançando dejetos e infâmia nos rostos e currículos de homens e mulheres impolutos. A sorte é que, a bem da "Ordem" e do "Progresso", possuímos organismos mantenedores da cultura e do saber que defendem os valores nacionais e os princípios pétreos da democracia, exaltando essas colunas inquebrantáveis da moral e dos bons costumes, que são os políticos e intelectuais como o Senador Sarney - este sim um verdadeiro escritor, porque, afinal, não se camufla atrás de um blog, esta instituição reacionária e covarde. Daí aproveitarmos para dizer a essa senhora que NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM, ela fará parte do panteão da Academia Brasileira de Letras, cujo nobre fardão é envergado por esse grande promotor da Verdade e da Justiça!
Vida longa ao Senador José Sarney! Vida longa à liberdade de expressão!
...
PS: Aqui está o blog novo de Alcinéa Cavalcante, que será devidamente linkado aqui, nestas Teorias: http://alcineacavalcante.blogspot.com/.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Vinil por sobre a Consciência


Não há coisa mais triste que folhas em branco. Prefiro chorar as palavras sobre elas às deixar indeléveis, imaculadas como uma virgem que ignora as peripécias da vida e vive como vivem as pedras imersas e a poeira intocada dos sótãos. Entretanto, estou envolto num filme maldito e impermeável, que não me permite expressar o que quero, não me consente voar.
Esse plástico me tampa as asas, os poros e o nariz - e respirar tem-me sido difícil. Arfante e lasso, atravesso os dias como um Sízifo a empurrar a pedra a que se reduziu o significado da própria existência. Dói.
Olho para as mesmas lousas, as mesmas telas, as mesmas folhas de papel, há dias, e nada. Há dias, contemplo os mesmos sentimentos, as mesmas dores, as mesmas comoções e só faço isso, contemplá-los. A pressão interna é maior do que posso suportar. Essa mordaça vai me matar, não tenho dúvida, se não me dispuser a reagir logo. Preciso me livrar dela, antes que ela livre a Terra de mim. Ou me expresso, ou sufoco-me.
O passado me desce às costas, furioso. Lanceta-me impiedosamente as escápulas, tritura-me aos poucos os ossos do pescoço, estrangula, lentamente, a minha medula. E o vinil não me deixa respirar... Não me permite falar...
Escrever é tentar o furo primaz que, torço, esgarçará o macabro embrulho por completo. Não o quero assimilar. Não quero que ele me assimile. Não quero. Ele não faz parte de mim. Ele não pode me reter.

Decidi: Rasgo essa crisálida e salto – nem que seja o último, e cego, vôo que empreenda.