quinta-feira, setembro 07, 2006

Vinil por sobre a Consciência


Não há coisa mais triste que folhas em branco. Prefiro chorar as palavras sobre elas às deixar indeléveis, imaculadas como uma virgem que ignora as peripécias da vida e vive como vivem as pedras imersas e a poeira intocada dos sótãos. Entretanto, estou envolto num filme maldito e impermeável, que não me permite expressar o que quero, não me consente voar.
Esse plástico me tampa as asas, os poros e o nariz - e respirar tem-me sido difícil. Arfante e lasso, atravesso os dias como um Sízifo a empurrar a pedra a que se reduziu o significado da própria existência. Dói.
Olho para as mesmas lousas, as mesmas telas, as mesmas folhas de papel, há dias, e nada. Há dias, contemplo os mesmos sentimentos, as mesmas dores, as mesmas comoções e só faço isso, contemplá-los. A pressão interna é maior do que posso suportar. Essa mordaça vai me matar, não tenho dúvida, se não me dispuser a reagir logo. Preciso me livrar dela, antes que ela livre a Terra de mim. Ou me expresso, ou sufoco-me.
O passado me desce às costas, furioso. Lanceta-me impiedosamente as escápulas, tritura-me aos poucos os ossos do pescoço, estrangula, lentamente, a minha medula. E o vinil não me deixa respirar... Não me permite falar...
Escrever é tentar o furo primaz que, torço, esgarçará o macabro embrulho por completo. Não o quero assimilar. Não quero que ele me assimile. Não quero. Ele não faz parte de mim. Ele não pode me reter.

Decidi: Rasgo essa crisálida e salto – nem que seja o último, e cego, vôo que empreenda.

2 comentários:

Anônimo disse...

O que passa em nossa cabeça quando escrevemos? Uma viagem, uma fantasia, uma história, uma utopia... Não importa, tudo se torna tão incalculável... desmedido...devaneado...
Dizem que escrever é, muitas vezes, um exercício solitário. Ás vezes dolorido, ás vezes engasgado, porque nem sempre podemos expressar tudo, da mesma forma que gostaríamos.
Mas quando a gente começa a querer acreditar que não deveria estar compartilhando com os outros, eis que a vida nos dá uma rasteira e nos abre a consciência; então, acabamos até ousando fazer um comentário, mesmo tímido, como este.
Então fico imaginando a impossibilidade de um papel continuar em branco diante de você!
Completamente impossivel. Seria como sufocar sua própria alma.
O que me acrescenta quando leio suas teorias?
A resposta esta precisa como o vento. Elas aceleram o acontecer das circunstâncias, aumenta o tamanho das minhas freqüências com todas essas delicias dos fatos que me envolvem.

Parabéns Ricco. Sinta-se envolvido de luz!

Com o carinho de sempre
Lila

Rafael Melo disse...

"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?"

Procura da POesia - Carlos Drummond de Andrade