Eu me habituei a uma caverna escura e vazia.
Passei muito tempo lá, abandonado e só.
Abafaram meus soluços, meus gritos, meu querer,
com uma pedra maldita à porta da caverna. E eu
não podia (ou queria) sair. Habituei-me, então.
Enrijeceram-me os membros, secou-me a boca,
edureceram-me os cabelos e meu hábito era grotesco e sombrio.
Nenhuma mão tocou as minhas mãos. Nenhum beijo afagou a minha face.
Nenhum socorro me chegou de longe ou perto,
e eu pensei mesmo que tudo deveria ser assim.
De repente, a pedra ruiu, e a luz entrou.
Invadiu-me com tanta força, inundou-me os olhos e as entranhas
com tamanho brilho,
que me fez sentir bonito e relevante, como o último pôr-do-sol
e a última florada dos campos. Saí, pois.
Mãos gentis acariciaram-me, muitos lábios me beijaram,
olhos imensos sorriram para mim. Porém,
saíra rápido demais e enlouquecera ao contato exterior.
Meus membros ainda sem tato, minha boca ainda em sequidão
formaram o prenúncio de uma ingratidão estranha que ainda trago no peito cansado.
E percebo
que nenhum perfume ou luz exalou de mim
que iluminasse essas mãos, lábios e existências,
deixando-lhes gostosa saudade.
Às vezes, olho para trás e, ironia das ironias,
chego a sentir vontade de voltar à minha antiga solidão.
8 comentários:
Oi Rick!!!
PAssei pra te desejar uma ótima semana!!!
FELICIDADES sempre!
Bjs!
Amo a subjetividade de suas palavras. Podemos ter vivido historia diametralmente opostas, mas encontro em suas enterlinhas a história de minha vida.
Creio qeu posso te dizer que sei exatamente o que você quis dizer. Não sei da historia ipsis literis, mas das sensações creio saber; se não as sei, ao menos as entendo bem.
Terei eu agora de usar o teu "mito" quando for escrever as minhas "memórias de um puto triste"?
Vida... vida... vida... a eternidade está tão perto, e às vezes está tão longe! Longe do medo a eternidade... Perto da vida o medo!
Complexo demais...
Mito da caverna??? Mito do exilado vc quis dizer...vc a cada dia se supera né Ric???Amo suas palavras...Angélica
Amigo Ricardo, este belíssimo texto remete-me à belíssima montagem de Molly Sweenie - Um Rastro de Luz, apresentada aqui em Brasília no início deste ano, com a ótima Julia Lemmertz no papel principal.
A peça conta a vida de uma menina cega de nascença que, já adulta, passa por uma cirurgia que a permite ver um pouco. Mas ela era feliz e estava habituada ao seu mundo sem imagens. Depois de passar pelo procedimento, por vontade do médico e de seu marido - não dela, ela foi enlouquecendo aos poucos... e sendo abandonada por todos... Uma estória comovente, que trouxe-me inúmeras reflexões.
Pena eu ser incapaz de descrevê-las todas por inabilidade mesmo com as palavras.
Aproveito para anunciar que, pouco a pouco, estou voltando a publicar em meu blog.
Um grande e afetuoso abraço!
A vontade de voltar a solicidao e' natural. Todos tem os seus momentos. Mas embora nem todos percebam, ha' sempre alguem atingido pelo nosso perfume e nossa luz. E para essas pessoas somos mais importantes do que imaginamos. Basta olhar menos para nos mesmos para perceber o efeito sobre o outro.
Beijos,:)
E aí camarada, tudo bom por aí?
Passei pra te deixar uma frase que vc sempre diz...
"O dinheiro não é tudo, mas é 100%".
Aprendi rapido hein!
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